Friday, October 30, 2009

 

ILLUSIONS PERDUES

Ilusões Perdidas
Autor: Honoré Balzac
Data: 1836-1843

RESUMO DO LIVRO

O livro possui duas personagens principais: Lucien Chardon e David Séchard, sendo dividido em três seções: “Os dois poetas”, “Um grande homem da província em Paris”, e “Ève e David” (rebatizada posteriormente como “Os sofrimentos do inventor”).
Parte 1: Os dois poetas
A primeira parte apresenta as duas personagens mencionadas acima em seu ambiente de origem, a cidade de Angoulème, na França. Lucien é o filho de um farmacêutico arruinado, que morre deixando a família em má situação financeira, após dedicar muitos anos à pesquisa de um remédio para gota, cujo segredo ele leva para o túmulo; sua viúva é obrigada a vender a farmácia. A mãe de Lucien, ao contrário do pai deste, é de origem nobre. Lucien tem uma irmã, Ève. David, o amigo de Lucien, é filho de um impressor, e, após realizar estudos em Paris, compra a companhia impressora do pai num péssimo negócio. O pai de David é um avaro que explora financeiramente o filho e, antes de vender a empresa ao filho, vende os direitos da impressão de um jornal à impressora concorrente, dos irmãos Cointet, o que praticamente condena o negócio de David ao fracasso. David, muito generoso, emprega seu amigo Lucien em sua impressora.
Lucien tem aspirações literárias; conhece o barão Sixte du Châtelet, cujo título de nobreza foi comprado; o barão entusiasma-se com Lucien e o apresenta à Sra. de Bargeton, da nobreza de Angoulème. A Sra. de Bargeton é casada com um homem mais velho que ela; sente-se atraída pela beleza e inteligência de Lucien, fazendo-o seu protegido na sociedade local. Esta sociedade, no entanto, é composta de filisteus e invejosos, rejeitando Lucien.
Ao surgirem boatos acusando a Sra. de Bargeton de infidelidade, ela impõe a seu marido que tome satisfações com o autor dos boatos, o que este, um marido obediente e passivo, imediatamente faz, através de um duelo do qual ele sai ileso, após ferir o seu oponente.
Paralelamente, David e Ève apaixonam-se e casam-se. David inicia uma reforma em sua casa para abrigar a mãe de Ève e o próprio Lucien.
Após o incidente do duelo, a Sra. de Bargeton decide ir morar em Paris, deixando seu marido na província. Ela propõe a Lucien que a acompanhe, no que ele concorda. Os dois fazem o início do trajeto separadamente, para não suscitar suspeitas, mas du Châtelet, que é rival de Lucien nas atenções da Sra. de Bargeton, segue-o.
David provê Lucien com uma razoável quantia de dinheiro para sua estada na capital, pondo em risco sua própria segurança financeira de recém-casado.
Parte 2: Um grande homem da província em Paris
Em Paris, du Châtelet encontra-se com a Sra. de Bargeton e a aconselha a não morar junto com Lucien, pois isso seria fatal para sua reputação em Paris. Lucien é obrigado assim a tomar um modesto apartamento para si.
Em Paris, a Sra. de Bargeton conta com a proteção da marquesa d'Espard, mulher influente nos círculos sociais da capital. A marquesa desaprova imediatamente a Lucien, devido a sua origem comum; ela impõe seus termos à Sra. de Bargeton, de protegê-la desde que ela se livre de Lucien. A Sra. de Bargeton rompe com Lucien.
Lucien tem dois livros escritos, um de poemas sobre flores chamado “As Margaridas”, e um romance histórico, “O Archeiro de Carlos IX”, os quais tenta vender. Não fica satisfeito com o valor que lhe é oferecido e não os vende.
Lucien faz amizade com Daniel d’Arthez, um jovem escritor de filosofia não publicado, que vive uma vida quase monástica, dedicada somente à sua obra. Daniel faz parte de um círculo de amigos de várias correntes de pensamento, com uma característica em comum: todos são idealistas e devotados a suas aspirações intelectuais. Esse grupo é chamado Cenáculo, e Lucien é tratado como verdadeiro amigo por todos.
Após o insucesso da venda de seus livros, a situação financeira de Lucien agrava-se, e ele decide procurar emprego como jornalista. Seus amigos do Cenáculo desaconselham-no dessa carreira, pois vêem o jornalismo como uma profissão corrupta. Lucien, no entanto, não lhes dá ouvidos.
Lucien conta seus problemas a Étienne Lousteau, que ele conhecia superficialmente do restaurante Flicoteaux, onde às vezes ambos se viam. Étienne trabalha como jornalista e promete apresentar Lucien a Finot, o dono de seu jornal. Antes, Étienne leva Lucien a vários livreiros aos quais Lucien tenta vender “As margaridas”. Os dois vão até as Galerias de Madeira, uma espécie de shopping center popular a céu aberto, e lá conseguem que o livreiro Dauriat fique com o livro para lê-lo.
À noite eles vão ver uma peça cômica, que deverá ser resenhada pelo jornal onde Étienne trabalha. Étienne é amante de Florine, uma das atrizes. Coralie, outra das atrizes, interessa-se por Lucien. Essas atrizes são mantidas por homens ricos, mais velhos e casados.
Lucien redige sua primeira resenha, elogiando a peça e particularmente Coralie. Ele acaba tomando-a como amante.
As resenhas dos jornais são geralmente compradas, seja com dinheiro ou com ingressos grátis, que podem então ser revendidos com lucro.
Lucien, com a ajuda de Lousteau, consegue que o jornal insira pequenos comentários maldosos a respeito de du Châtelet e da Sra. de Bargeton.
Lucien, através de um esquema de chantagens com o editor – Lucien ataca em uma resenha um dos autores publicados por ele – consegue publicar seu livro de poemas.
Lucien encontra a marquesa de Espard numa festa; ela lhe acena com a possibilidade de conseguir autorização do rei para o uso oficial do nome de sua mãe, conferindo-lhe assim status nobre. Em troca, Lucien deve parar os ataques à Sra. de Bargeton; além disso, Lucien deve abandonar o jornal no qual trabalha, o qual é de tendências liberais (anti-monarquistas), e filiar-se a um jornal monarquista.
Lucien segue os conselhos recebidos, sem saber que se trata de uma armadilha. Ele perde todos os seus amigos liberais, vicia-se em jogo, é obrigado a atacar o livro de Daniel d'Arthez, envolve-se num duelo com Michel Chrestien, um dos membros do cenáculo, é baleado, vê-se em terrível situação financeira, e não obtém o desejado direito ao uso de um nome nobre. Vende seu romance histórico a um pequeno editor.
Coralie adoece e morre. Lucien, na miséria, falsifica a assinatura de David Séchard em promissórias, paga suas dívidas, e abandona Paris.
Parte 3: Os sofrimentos do inventor, ou: Ève e David
Durante o tempo em que Lucien mora em Paris, David e Ève permanecem na província. David dedica-se a pesquisas para a fabricação de um papel barato, com a patente da qual pretende atingir a estabilidade financeira. Sua esposa assume o comando da impressora, revelando talento e iniciativa; ela inicia a impressão de um almanaque popular. Seus esforços são medrados pela ação de Cérizet, seu velho empregado, o qual trabalha como espião para os Cointet, seus concorrentes, que então imprimem um almanaque semelhante e lançam-no antes.
A notícia das promissórias assinadas por Lucien tem efeitos devastadores sobre a já precária situação financeira de David, que não possui fundos para saldar sua dívida. Os Cointet esperam que a situação de David o force a vender-lhes a impressora. Ao saber, por Cérizet, das pesquisas de David, passam também a ambicionar a posse da patente. Eles aliciam a seu serviço um ambicioso advogado chamado Petit-Claud, ao qual instruem para que ofereça seus serviços de defesa a David. As táticas de Petit-Claud são explicitamente direcionadas a causar um aumento explosivo das custas processuais. Em retorno por seus serviços, Petit-Claud obterá a mão de uma jovem que abrirá caminho para sua promoção a procurador federal
Uma ordem de prisão é expedida contra David, que se esconde na casa de uma amiga de Ève, que trabalha como lavadeira. Lá ele prossegue febrilmente em suas pesquisas científicas, esperando obter resultados que o tirem da situação em que está. Seu pai, que vive agora numa propriedade em que produz vinho, nega-se a ajudá-lo.
Nesse ponto, Lucien chega às imediações de Angoulème, alojando-se, exausto e ferido, na casa de um moleiro. Devastado ao saber dos males que causou a seu cunhado, afinal encontra sua irmã, que não revela o paradeiro do marido.
Sixte du Châtelet retorna a Angoulème ao mesmo tempo que Lucien, agora na condição de prefeito, e casado com a Sra. de Bargeton, cujo marido morrera há algum tempo. Lucien reintroduz-se no círculo deles, intermediado por Petit-Claud, e consegue reconciliar-se com a Sra. de Bargeton, e obter dela a promessa de interceder por David. Antes que isso ocorra, no entanto, Cérizet, , em conluio com os Cointet, falsifica a escrita de Lucien e faz chegar uma carta a David dizendo que tudo havia sido resolvido, e ele podia sair de seu esconderijo. David é preso logo em seguida.
Lucien, desolado, decide se suicidar. Retira-se para um lago nas imediações, onde pretende jogar-se, amarrado a um peso. É avistado, no entanto, por um clérigo ex-jesuíta (a ordem havia sido dissolvida) de passagem por ali, que salva o jovem e o convence a seguir como seu protegido para Paris. Ele manda dinheiro para saldar as dívidas de David, que no entanto chega atrasado demais.
Enquanto isso, David assina contrato com os Cointet vendendo a impressora e cedendo os direitos para exploração de sua patente, sendo libertado da prisão. Seu pai morre algum tempo depois, deixando uma substancial herança para ele.

Sunday, October 18, 2009

 

On the role of the teacher

This is not a conclusive analysis, but rather an introduction to some inquisitions which have been plaguing my brain for the last year or so. It comes also as a response to some observations made by some acquaintances, although this is not directly addressed to anyone, and I doubt that anyone but me will read it.
A teacher at an institution performs essentially two kinds of activities: teaching (during class hours, and possibly outside of them), and evaluating his or her students. A question that arises, pertinently or impertinently, is: who holds the power in this social intercourse? Upon a cursory analysis, one might see it as obvious that the teacher does. In some graduate courses, however, students are required to provide their assessment of their teachers. In undergraduate ones, or in elementary education, this is rarer or inexistent. Thus, it seems that the diploma bestows some power to students.
Let's take a specific angle. A class is something about which a student may privately have his own opinions ("it was good", "I did not like it"). Yet, how far can we sustain a categorization of it as a service performed by the teacher to his or her students? How conflicting would this categorization be to the essential hierarchy which places the teacher above the student? In a house or a corporation, it is not the servants or low-rank employees who give the orders.
So, perhaps the way things normally work is a little different, and classes signify something other than teachers passing knowledge to students. Perhaps, it is more like teachers laying out the conditions to which students will have to obey in order to receive a positive evaluation.
As long as there is an external academic control over what teachers teach, there is no problem in sight: both things amount to the same, i.e., the conditions for the positive evaluation of a student have a perfect correspondence with the acquisition of some knowledge or skill which have been prevalidated externally. However, everyone knows that said control is imperfect, which implies a certain degree of illegitimate use of power on the part of the teacher. This is often a silent operation, with no knowledge by the student that he or she is being manipulated or deceived into accepting something wrong or inappropriate. Sometimes, the teacher does not know it either.
I do not know how to pursue this analysis any further at the moment. I do not know even whether there is anything at all to be added to the above considerations. For what it is worth, however, and whatever bearing it may have on the previous theme, it is my personal view that a school, and a University especially, is the right place for the free exchange of ideas, and anyone who feels uncomfortable with that is in the wrong place to begin with.

Thursday, October 15, 2009

 

School is Paradise, volume 2 (in Portuguese)

Comentários comparativos sobre três textos de teoria poética.

Os textos analisados, respectivamente de Friedrich, de Man, e Berardinelli, são especificados nas referências no final deste trabalho. A seleção dos textos é do professor Marcos Siscar, que solicitou a análise comparada dos mesmos a seus estudantes.

Em primeiro lugar, é preciso notar um problema semântico importante na comparação dos textos, que é o fato de que Friedrich e Berardinelli usam o termo “moderno” (e seus derivados) com um significado meramente temporal, e de Man usa-o com um outro significado. Para Friedrich e Berardinelli, poesia moderna (como aliás está explícito, no caso de Friedrich, no subtítulo do seu livro) significa poesia do século XX, com um recuo não muito preciso até a metade do século XIX, e, no caso de Friedrich, limitando-se até por volta da metade do século XX, que é quando seu livro foi publicado. De Man explicita o sentido adotado por ele no começo de seu texto, onde ele deixa claro que “o termo ‘modernidade’ não é usado numa simples acepção cronológica como sinônimo aproximado de ‘recente’ ou ‘contemporâneo’ a que se acrescentou uma ênfase valorativa positiva ou negativa”. É interessante notar que o sentido adotado por ele se aproxima daquele adotado por Baudelaire em seu texto “O Pintor da Vida Moderna”. De Man ressalva que, por motivos pragmáticos, a consideração da literatura recente é favorecida, mas que isso obscurece o sentido teórico de Modernidade, que seria designativo de qualquer literatura que possibilite uma partilha com o leitor de seu “sentido de um presente temporal”. Baudelaire coloca a questão em termos de “extrair o eterno do transitório”.

Feita essa distinção semântica preliminar, faremos inicialmente um resumo das ideias de Friedrich, posto que elas são discutidas nos outros dois textos. Friedrich afirma que a obscuridade é uma característica da poesia europeia do século XX. Essa obscuridade é, segundo ele, proposital, com o objetivo de gerar tensão e estranhamento. As imagens ou significados evocados distanciam-se da realidade usual, criando uma nova realidade, absurda e anormal. A descrição de tal poesia tem que ser feita, ainda segundo Friedrich, por categorias negativas: “desorientação, dissolução do que é corrente, ordem sacrificada, incoerência, fragmentação, reversibilidade, estilo de alinhavo, poesia despoetizada, lampejos destrutivos, imagens cortantes, repentinidade brutal, deslocamento, modo de ver astigmático, estranhamento”. Traçando a pré-história desses conceitos, Friedrich encontra seu germe em Rousseau e Diderot, e a seguir, mais enfaticamente, em Novalis. O Romantismo deu mais um passo em direção ao moderno, introduzindo o exagero e a afetação; um elemento romântico, no entanto, será deixado de lado na época moderna: o sentimento. O grotesco foi outro elemento importante a ser absorvido na modernidade, com sua valorização do feio e do disforme. Essa, em resumo, é a visão de Friedrich.

O texto de Berardinelli, embora atribuindo um certo fascínio ao livro de Friedrich, faz duras restrições a que se o tome como um estudo abrangente da poética do século XX. Segundo o autor italiano, as observações de Friedrich referentes à irracionalidade ou ‘desrealização’ da poesia moderna são válidas para um conjunto minoritário de poetas do século XX (e fim do XIX), particularmente os pertencentes à escola simbolista, cujo representante maior foi Mallarmé, e aqueles que posteriormente foram influenciados de maneira significativa por aquela vertente poética.
Berardinelli cita Eliot na descrição de três tipos de voz poética, dos quais apenas um, o estritamente lírico, ou seja, o poeta falando a si mesmo ou a ninguém, é característico do universo poético contemplado por Friedrich. Os outros dois tipos mencionados por Eliot, a saber, o poeta falando diante de um auditório, e o poeta criando uma personagem dramática, são destacados por Berardinelli como pelo menos igualmente representativos da modernidade, inclusive na própria obra de Eliot, a qual, embora não prime pelo uso convencional da linguagem, faz necessariamente referência a “um suporte externo, cultural, realista e comunicativo” (‘correlativo objetivo’). Segundo Berardinelli, a poesia do século XX exibe mesmo uma tendência a contrapor-se à estética simbolista, perceptível em muitos poetas ignorados ou desvalorizados na análise de Friedrich. Já se mencionou Eliot, mas há muitos outros, inclusive representantes de poéticas nas quais o hermetismo nem se encontra presente, como Whitman e Brecht.
Berardinelli refuta a argumentação de Friedrich em pontos importantes. A multiplicidade estilística e a fragmentação, características encontráveis em Eliot e Apollinaire, longe de serem – conforme argumenta Friedrich – expressões de um divórcio da realidade, seriam técnicas empregadas com o intuito de retratar uma certa fragmentação da própria realidade social e cultural do século XX. Segundo Berardinelli, a análise de Friedrich peca, em última instância, por ser injustificadamente a-histórica. Cumpre notar que Friedrich, na realidade, não é tão a-histórico como Berardinelli faz crer, e, no capítulo 2 de seu livro, explica a perda de representação e a perda do eu como uma fuga da realidade desagradável do século 19. As fantasias e absurdos “tornam-se aspectos de uma irrealidade em que Baudelaire e seus seguidores querem penetrar, para evitar uma realidade cada vez mais restritiva.” (citado por de Man, p. 194). De Man considera a explicação de Friedrich “grosseira, irrelevante e pseudo-histórica”.
Berardinelli cita a seguir Heller e Adorno, os quais postulam a inevitabilidade da conexão da poesia com a realidade; desse modo, diz Adorno, o próprio ‘anti-realismo’ acaba sendo uma tomada de posição com relação a uma realidade sentida como inaceitável ou insuportável. A individuação extremada acaba estabelecendo paradoxalmente uma comunicação universal, uma forma eficaz de expressão autêntica e não corrompida pelas formas sociais de dominação e despersonalização. Embora mais elaborada teoricamente, a posição de Adorno não chega a contradizer a explicação de ‘fuga da realidade’ de Friedrich.
Adorno, citado por Berardinelli, postula ainda a existência de uma corrente poética que de certo modo renuncia à individuação em favor de uma “força coletiva”; Lorca e Brecht são citados como expoentes dessa corrente.

Vamos agora tecer alguns comentários sobre o artigo de de Man, o qual, após dialogar com conceitos de Friedrich e Baudelaire, envereda por teorizações pessoais. Note-se preliminarmente que o diálogo de de Man com o texto de Friedrich não deixa de ser válido, mesmo que eles tenham conceitos diferentes do termo ‘moderno’. Esse diálogo centra-se na crítica que de Man faz sobre algumas afirmações específicas de Friedrich sobre poesia recente, que postulam uma tendência à ‘desrealização’, entendida como resistência à redução do poema a significados predeterminados; de Man argumenta sobre uma base concreta, que é o poema Le tombeau de Verlaine, de Mallarmé, o qual é submetido a uma breve exegese.
Inicialmente, de Man faz um resumo de algumas teorias da modernidade, começando pelas ideias de Yeats, que estabelece uma diferenciação entre poesia de representação (ou mimese), e poesia sem vínculo com a representação, a qual encarna segundo Yeats a modernidade. Aquela tem o espelho como símbolo, enquanto que a última é simbolizada pela lâmpada. Citando de Man, “a poesia moderna é descrita por Yeats como a expressão consciente de um conflito no interior da função da linguagem enquanto representação e no interior da concepção da linguagem como ato de uma vontade autônoma.” Friedrich escreveu sobre a poesia moderna de maneira “surpreendentemente análoga” a Yeats. Em última análise, ambos veem a obscuridade da poesia moderna como decorrente da perda da sua função representacional. “Perda de realidade representacional e perda do eu são inseparáveis”, acrescenta de Man.
De Man, ao contrário de Friedrich e também de Berardinelli, recusa-se a endossar a categorização tradicional da poesia simbolista como estritamente abstrata ou avessa à representação. Armado de um conhecimento bastante erudito da obra de Mallarmé e Verlaine, e de recursos hermenêuticos sofisticados como associações de imagens e atribuição de sentidos metafóricos, ele convincentemente decifra algumas estrofes do poema Le tombeau de Verlaine em termos absolutamente coerentes e consistentes com declarações conhecidas de Verlaine sobre si mesmo, e com a visão do próprio Mallarmé sobre a poesia. Basicamente, Verlaine, secundado pelo próprio Mallarmé, opunha-se a visões sentimentais e cristãs sobre a morte, as quais reputa como superficiais e obscurecedoras do real legado literário do poeta.
De Man baseia-se na já mencionada oposição conceitual entre linguagem representacional e linguagem alegórica para em seguida refutar a tese de Stierle de que Mallarmé não pode ser entendido como poeta representacional. O eu poético em Mallarmé, diz de Man, embora em casos extremos seja “muito impessoal, desencarnado e irônico”, raramente ou nunca pode ser considerado inexistente.
A hipótese da evolução histórica em direção a uma rarefação da representação e do eu, tal como postulada por Friedrich e Jauss, tem, na visão de de Man, um apelo psicológico primitivo.
A relação entre a posteridade e Baudelaire é, segundo de Man, um exemplo de como as teorias têm a tendência de ignorar aspectos da realidade que as contradizem. Em particular, de Man aponta a falta de atenção dada por Mallarmé ao Baudelaire tardio de Petits poèmes en prose, o qual exibe forte característica alegórica e dificuldade de compreensão.
Generalizando a sua argumentação, de Man postula que toda poesia lírica é ambivalente, sendo simultaneamente representacional e não-representacional. A alegorização do poema é algo que não pode ser evitado, pois está na própria raiz do discurso poético, quer o poeta tenha ou não consciência disso. As faces alegórica e representacional são, no entanto, como que inimigas entre si: o elemento representacional é necessário para possibilitar um primeiro acesso ao poema, o qual, no entanto, em seguida ‘convida’ a uma interpretação alegórica que nega a interpretação representacional anterior. A interpretação alegórica adquire imediatamente um status representacional que é base para uma nova interpretação alegórica, num ciclo infinito em que cada estágio anula o anterior.
Prosseguindo, de Man nega a existência de um princípio que leva “da história à modernidade”. Sua argumentação nesse ponto é bastante obscura, seja devido ao texto em si ou à tradução usada. O que pode significar a afirmação de que “a alegoria pode apenas repetir cegamente o seu modelo prévio, sem uma compreensão definitiva”?
Sua conclusão é que “quanto menos compreendemos um poeta, (...) maiores são as possibilidades de que ele seja verdadeiramente moderno; isto é, diferente daquilo que – erradamente – pensamos que somos [itálico nosso].” Como interpretar essa conclusão, seja em si mesma ou em relação à postulação inicial de modernidade como partilha de um “sentido do presente temporal”? (Nota: o termo que pusemos em itálico [somos] parece ser um erro de tradução; a palavra correta parece ser “são”.)

Teceremos alguns comentários finais sobre os textos analisados. O livro de Friedrich (do qual a presente análise considera apenas uma parte), por mais contestado que seja, permanece como um eixo importante em torno do qual, ao menos em parte, os outros dois textos giram. Seu conceito básico é a ausência da função de representação na poesia moderna, a qual é responsável pela sua obscuridade e estranheza. Berardinelli adota um enfoque muito mais amplo, admitindo no entanto a validade da análise de Friedrich para um grupo restrito de poetas, encabeçados por Mallarmé. Não há unidade na análise de Berardinelli; tendo por objetivo um apanhado abrangente da poesia do século XX, ele adota uma postura enciclopédica, baseada principalmente em citações de outros críticos, cobrindo principalmente poetas aos quais a aplicação dos conceitos de Friedrich tem validade parcial, necessitando ser socorridos por elementos históricos e sociais, e poetas aos quais a análise de Friedrich simplesmente não se aplica (p. ex., Whitman). De Man, por sua vez, apresenta um trabalho mais ambicioso, em que, na esteira de Baudelaire, postula a modernidade como um conceito teórico atemporal. Ao contrário de Berardinelli, não lhe interessa nem questionar a ausência de outros tipos de poesia no estudo de Friedrich, nem introduzir elementos históricos ou político-ideológicos para enriquecer essa análise. Seu enfoque é muito mais relacionado a uma alegada essência poética, em termos da dualidade representação/alegoria. De Man não é bem sucedido, ou ao menos não é suficientemente claro, no que concerne à explicitação de uma ligação entre sua definição inicial de modernidade e suas conclusões apoiadas na ambivalência poética e seu efeito na recepção.


REFERÊNCIAS

BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: Poesia e prosa. Organização: Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.

BERARDINELLI, Alfonso. As muitas vozes da poesia moderna. In: Da poesia à prosa. Organização de Maria Betânia Amoroso. Tradução de Maurício Santana Dias. Rio de Janeiro: Cosac & Naify, 2007.

DE MAN, Paul. O ponto de vista da cegueira. Ensaios sobre a retórica da crítica contemporânea. Tradução de Miguel Tamen. Lisboa: Angelus Novus & Cotovia, 1999. Título original: Blindness and insight. Essays in the rhetoric of contemporary criticism. 2nd ed., revised, 1971.

FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da Lírica Moderna (da metade do século XIX a meados do século XX). Capítulo I: Perspectiva e retrospecto. Tradução: Marise M. Curioni. Tradução dos poemas: Dora F. da Silva. São Paulo: Duas Cidades, 1991. Tradução a partir da 2ª ed. em alemão, 1966. [1ª ed. do texto original, 1956]

 

THE SORROWS OF YOUNG WERTHER

Original title: Die Leiden des jungen Werthers
Author: Johann Wolfgang Goethe
Date: 1774; rev. ed. 1787

(Read in the 1st semester 2009.) I found it quite enjoyable and inspired; I do not seem to have much company in this appreciation, judging from some acquaintances' appraisals, and some celebrities' too. Anyway, apart from some formal imperfections which are now universally known (e.g. the omniscient narrator), this book is quite irreproachable and makes for a delightful reading, and is not in the least touching in an emotional sense (this is an asset, the way I see things). Of course this is a subjective assessment, from someone living in the 21st century, yadda yadda, it was not thus when it first came out, as is sadly notorious.

 

HAMLET

Author: William Shakespeare
Date: c. 1599

More first semester stuff. Second reading of this. This time I made the supreme effort of reading it in the original (with the help of a translation to Portuguese). I fell prey to endless musings on the play's subtleties, of which the most notable ones were the theme of the Number Two and duality, a theme prompted by a Web forum discussion, the address of which I am not sure I am able to recover; and the hypothesis, read on Harold Bloom's Shakespeare: The Invention of the Human (aside from that, an often unbearable chapter), but apparently first formulated in Marc Shell's Children of the Earth: literature, politics, and nationhood, that Hamlet is hesitant to kill Claudius because of the possibility that the latter is his biological father. (And won't marry Ophelia because she may be his half-sister...)

 

RICHARD III

Author: William Shakespeare
Date: 1591

With much delay, I am now updating the log on this year's first semester readings. Reading this play was a very tiresome experience. As you know, this is the fourth installment on a historical tetralogy, following the three Henry IV plays; this means many references to events and characters of the previous plays, which I did not read, and therefore had to get acquainted with by other means. On top of that, the play is not very good. Repeating a common opinion, with which I agree, the main character is very amusing, but there is nothing much else in the play to stir our interest.

 

LYSISTRATA

Author: Aristophanes
Date: 411 B.C.

I read this in the first semester of the current year. It is fun reading; I have nothing of value to remark about it. A summary of the play and a general review of it can be found on its Wikipedia article.

Tuesday, October 06, 2009

 

Patético / Patos

Do "Novo Dicionário Brasileiro Melhoramentos", 3ª edição, revista (1965):
patético, adj. (l. patheticu). 1. Que comove, que enternece. 2. Anat. Diz-se do músculo grande oblíquo do olho. 3. Anat. Diz-se do nervo craniano motor que inerva o grande oblíquo do olho. S.m. 1. O que comove, o que fala ao coração. 2. Caráter do que é patético. 3. Gênero patético. 4. Arte de despertar nos outros os sentimentos ou afetos de que estamos possuídos.

Da "Grande Enciclopédia Larousse Cultural" (1995):
PATÉTICO adj. (Do gr. pathétikos, pelo lat. patheticus.) 1. Que desperta compaixão ou tristeza; comovedor, tocante. - 2. Que revela forte emoção: apelo patético. - 3. Trágico, sinistro: Teve um fim patético. Anat. Nervo patético ou patético (s.m.), cada um dos nervos que compõem o quarto par de nervos cranianos; nervo troclear. (O nervo patético é um nervo motor do olho que inerva o músculo grande oblíquo.)

Do "Novo Dicionário Brasileiro Melhoramentos", 3ª edição, revista (1965):
patos, s.m., sing. e pl. (gr. pathos). Qualidade na fala, em escritos, acontecimentos etc. que excita à piedade, à simpatia ou à tristeza.

Da "Grande Enciclopédia Larousse Cultural" (1995):
PATOS s.m. sing. e pl. (Do gr. pathos, sofrimento, paixão.) 1. Torneio de estilo caracterizado pelo recurso a figuras de retórica que provocam intensa emoção. [Os gregos consideravam o pathos e o ethos (costumes) como características importantes da oratória: o primeiro, ao apelar para os sentimentos, tornava a eloquência passional e patética; o segundo, dirigindo-se à razão, dava-lhe um tom moderado e comedido.] - 2. O patético expresso na fala, nos escritos, nos acontecimentos, etc.

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