Sunday, February 06, 2022

 

Registro de leituras (Outubro 2014 - Fevereiro 2022)


Tenho lido poucos livros recentemente. Breve comentário sobre os principais que li de outubro de 2014 em diante:

(2014) Le voyeur (1955), por Alain Robbe-Grillet. Este interessante romance pretende desmontar os pressupostos do gênero de mistério em particular, e a própria noção de narrativa de uma maneira mais geral. O ambiente e os personagens são fixados, mas os eventos sucedem-se sem obedecer necessariamente uma lógica aparente, e sem chegar a algum tipo de resolução. Li uma tradução em inglês. Parece que no Brasil a primeira edição (e aparentemente única) foi em 1966 (A Espreita).

(2016) Casino Royale (1953), por Ian Fleming. Segunda leitura (a anterior foi em 1988). Romance de espionagem bem escrito e razoavelmente divertido, mas que não emociona muito e provavelmente teria sido esquecido se outros melhores com o mesmo protagonista não se lhe tivessem seguido. No Brasil, a primeira edição foi aparentemente em 1965 (Cassino Royale).

(2017) Live and Let Die (1954), por Ian Fleming. Excelente romance de espíonagem, com enredo emocionante e muito bem escrito. Um salto de qualidade do autor em relação ao romance anterior, Casino Royale. No Brasil a primeira tradução foi lançada em 1965 e recebeu o título Os Outros que Se Danem; posteriormente uma nova tradução foi lançada com o título Viva e Deixe Morrer

(2019) The Demolished Man (versão serializada em revista, 1952; versão em livro, 1953), por Alfred Bester. O enredo deste romance é uma das coisas mais alucinadas que já li. A narrativa mescla mistério e procedimento policial com uma temática de ficção científica e uma ambientação futurista. Realmente algo fora do usual, sob qualquer aspecto, mesmo para os padrões de hoje. Dei-me o trabalho de ler as duas versões, que possuem ligeiras diferenças entre si. Uma obra notável. No Brasil, pelo que pude apurar, foi lançado em 1969 (O Homem Demolido).

(2020) Moonraker (1955), por Ian Fleming. Esplêndido romance da Guerra Fria da série 007. Tornou-se importante ler Fleming novamente, com os olhos do presente. A Guerra Fria não foi embora, ela somente despiu-se de seus elementos ideológicos originais, adquirindo novos e preservando os elementos geopolíticos de sempre. No Brasil, a primeira tradução saiu em 1965 (O Foguete da Morte).

(2020) O Meu Pé de Laranja Lima (1968), de José Mauro de Vasconcelos. Embora me parecesse em si pouco atraente, a curiosidade me levou a ler este romance de enorme sucesso popular. Realmente não há nada nele de muito notável, mas está longe de ser uma experiência excruciante. Deve-se reconhecer como méritos a empatia com o sofrimento humano e algum realismo no retrato social da parcela mais pobre da população urbana do Brasil.

(2021) The Berlin Memorandum (1965), por Adam Hall. Este é um romance com uma concepção interessante, mas com um tom algo desagradável, o que pode ter sido intencional. A narrativa tende a uma certa mitologização histórica, incluindo até o detalhe de um abajur feito de pele humana. Não é um livro fácil de ler, exigindo atenção e algum raciocínio. Edições americanas mudaram o título para The Quiller Memorandum, que é o título da adaptação cinematográfica. Não parece ter havido edição no Brasil. Em Portugal foi lançado em 1966 como Memorando de Berlim.

(2021) Alice's Adventures in Wonderland (1865) & Through the Looking Glass, and What Alice Found There (1871), por Lewis Carroll. Finalmente encarei a leitura integral dessa dupla de romances. São realmente duas obras geniais, que certamente são muito úteis na educação de crianças e também fornecem elementos para discussão adulta de temas filosóficos e mesmo políticos; são também muito divertidas. No Brasil, as primeiras traduções (se bem que talvez não tão fiéis) são as de Monteiro Lobato (Alice no País das Maravilhas, 1931; Alice no País do Espelho, 1933).

(2021) I, the Jury (1947), por Mickey Spillane. Suponho que se deva por esse romance na categoria dos livros maus mas influentes. Sua leitura não chega a ser desagradável, mas a mediocridade do enredo e a ideologia reacionária embutida na sua escrita são fatores limitantes do gozo da leitura, a não ser que esta seja investida de um olhar ao humor involuntário. No Brasil, foi lançado em 1950 sob o título Eu Sou a Lei; o título adotado no lançamento mais recente no país foi Eu, o Júri.

(2022) Heart of Darkness (1899), por Joseph Conrad. Inicialmente, tive um pouco de dificuldade na leitura desta novela; o texto não me pareceu suficientemente claro em alguns pontos. Uma certa falta de elegância estilística poderia ser atribuída ao fato de que a maior parte da novela consiste na reprodução de uma narrativa oral de um personagem. Vale a pena, no entanto, transpor esses obstáculos, pois a narrativa progride para um final altamente significativo e que ao menos em alguma medida ilumina o que veio antes. Pode-se dizer que as implicações humanas dessa obra põem-na entre as mais significativas dos últimos séculos. No Brasil ela só chegou em 1984 em três lançamentos distintos, com os respectivos títulos Coração das Trevas, O Coração da Treva, e O Coração das Trevas.

(2022) Beat the Devil (1951), por Claud Cockburn (inicialmente sob o pseudônimo James Helvick). Romance tragicômico consistindo sobretudo de diálogos. Proporciona uma leitura agradável, embora não muito memorável ou significativa. A versão fílmica suprime todos os elementos trágicos, inclusive mudando o final, e transformando a narrativa em uma comédia pura. Também suprime, tanto quanto pude notar, a etnia judaica de um dos personagens, o qual tem um papel decisivo no final do romance. Esse é um dos aspectos mais curiosos do romance. Primeiro porque não fica claro como os demais personagens conseguem discernir a etnia do personagem judeu. Segundo, porque o comportamento final desse personagem é um tanto chocante, ao colocar a vingança acima da gratidão. Não encontrei edições em língua portuguesa deste livro.

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