Wednesday, November 20, 2024

 

Rest in Peace

 There is a big worldwide campaign against so-called pseudoscience. Pseudoscience acts in an analogous manner to hypocrisy as defined by La Rochefoucauld; that is, it is stupidity which pays tribute to intelligence. In fact, it only survives due to that paid tribute. Nobody would buy naked stupidity,  one without that veneer of wisdom. Nobody? Think again.

Religion has never paid any tribute to reason. And it survives quite well. In fact, we seldom see campaigns against religion. The consensus is that it's better to respect it.

Thus, we live this contradiction: enormous noise because of badly done science which attempts to seduce reason, but complete silence before utterly absurd notions which openly mock reason. I think the reason behind this is the death taboo.

Death is an unpleasant phenomenon. I think no one would disagree about it, but the tacit assumption is that it is unpleasant for others. For the dead, how to know it? Sure, we can infer something about the process preceding it, which is usually unpleasant. In that broader sense, it is indeed unpleasant to all.

One of the consequences of this unease with death is that no one talks about it. The ultimate pest would be someone who, during a session of condolences, interjected, each time someone said "May God keep his soul", his opinion that "God does not exist."

I've always held pests in high account, though, to be honest, I've never met one. People are very well behaved. The problem is that they accumulate certain doubts and opinions in their minds which, with time, weigh more and more...

For example, most religious people, ones who believe in eternal life, express their homage to someone who has died with the words "Rest in peace". But what's the meaning of that? Don't they believe in a renewal after death? A starting over? Then, why "rest in peace"? It's as if they were admitting, in a disguised manner, that they don't really believe any of that. Resting is just an euphemism for dying, disappearing. And peace is another euphemism -- for nothingness, absolute quiet.

Think about it: what does an "eternal rest" mean? It mustn't be very efficient, because tiredness apparently never ends, always needing further repose. It's not my idea of paradise.


Sunday, November 17, 2024

 

Descanse em Paz

Existe uma grande campanha mundial contra a chamada pseudociência. A pseudociênca age analogamente à hipocrisia como definida por La Rochefoucauld; isto é, ela é a estupidez que presta tributo à inteligência. Na verdade, ela só sobrevive graças a esse tributo. Ninguém compraria a estupidez nua, sem esse verniz de sabedoria. Ninguém? Pense de novo.

A religião nunca prestou nenhum tributo à razão. E sobrevive muito bem. De fato, são raras as campanhas contra a religião. O consenso é que é melhor respeitá-la.

Então, vivemos essa contradição: um enorme barulho por causa de ciência mal feita, que tenta seduzir a razão, mas silêncio completo perante noções completamente absurdas que zombam abertamente da razão. Creio que o motivo disso é o tabu da morte.

A morte é um fenômeno desagradável. Acho que ninguém discordaria disso, mas implícito está que ela o é para os outros. Para os mortos, como sabê-lo? Sim, podemos inferir algo sobre o processo que a precede, o qual é geralmente desagradável. Nesse sentido mais amplo, ela é realmente desagradável para todos.

Uma das consequências desse incômodo com a morte é que ninguém fala sobre ela. O supremo chato seria aquele que, numa sessão de pêsames, expressasse, a cada vez que alguém pronunciasse "Deus o tenha",  sua opinião: "Deus não existe".

Eu sempre respeitei os chatos, embora, para ser franco, nunca encontrei um. As pessoas são muito bem comportadas. O problema é que vão acumulando em suas mentes certas dúvidas e opiniões que com o tempo vão pesando, pesando...

Por exemplo, a maioria das pessoas religiosas, que acreditam em vida eterna, expressa sua homenagem a alguém que morreu com as palavras "Descanse em paz." Mas, qual é o sentido disso? Eles não acreditam numa renovação após a morte? Um recomeçar? Então, como assim, descansar em paz? É como se eles estivessem admitindo, de maneira disfarçada, que na realidade, não acreditam em nada daquilo. Descansar é só um eufemismo para morrer, desaparecer. E paz é outro eufemismo -- para o nada, a quietude absoluta.

Pense bem: o que significa um "repouso eterno"? Não deve ser muito eficiente, pois o cansaço aparentemente nunca termina, sempre necessitando de mais repouso. Não é minha ideia de paraíso.


Saturday, July 06, 2024

 

Some considerations about immigration

Brazilian TV is showing a news story about 'coyotes', i.e., people who smuggle immigrants across the U.S. border. They are vilified because they exploit people. On the other hand, immigration is always shown in a good light on TV. So, there is a paradox there. Immigrants themselves are good, but the people who make it possible for them to immigrate are bad. If people who immigrate are good, then immigration itself is good, because good people do good things (otherwise they would be bad). But the people who make that good thing possible are bad. How come?

I suppose this has some parallels with drug consumption. Drug addicts are not bad people, but drug trafficking is bad. The parallel ends there, however, because drug addicts are supposed to be suffering from a disease, whereas immigrants are healthy people. In a way, their poverty is somewhat analogous to the drug users' disease. That's not a perfect analogy, however, because the hegemonic narrative is that countries benefit from immigration, and no one is supposed to benefit from drugs (except for the traffickers, who -- remember that? -- are bad).

So, back to the immigration problem, how do we solve that paradox? One has to be honest about it. If on the one hand coyotes are bad and exploit the immigrants, and on the other hand immigration (and immigrants) are good, the only solution would be the State filling the role of the coyotes, by sponsoring immigration. Of course, both ends of the immigration flux must reach an agreement about that. The U.S. must be OK with it, and, say, Guatemala, also must be OK with it.

I think that is the main practical difficulty. I just don't know why it is so. It is universally settled that immigration is good, and attempts to curb it are racist (just look at what is happening in France right now). If the State will not curb it, coyotes will take over, unless the State will sponsor it. Ergo, the State should be sponsoring it.


Saturday, October 21, 2023

 

'Wave' (Jobim) vs. 'Pat and Mike' (Raksin)

When I hear the musical score which plays over the opening credits of the film Pat and Mike (1952), composed by David Raksin, I'm immediately reminded of the song Wave, by Antõnio Carlos Jobim.

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Quando ouço a trilha musical que toca na abertura do filme Mulher Absoluta (título original: Pat and Mike), de 1952, composta por David Raksin, imediatamente me vem à mente a canção Wave, de Antônio Carlos Jobim.

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Pat and Mike (1952) -- Opening

https://www.facebook.com/warnerarchive/videos/596488351068721/?ref=embed_video&t=8

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Wave (Antônio Carlos Jobim)

https://youtu.be/JGqzKmp_5Bg


Monday, May 01, 2023

 

Erros de gramática em "O Antagonista" e "Crusoé"

No sítio O Antagonista, anuncia-se uma reportagem da revista Crusoé intitulada "Um armênio e um cazaque no Bolsa Pódio". Na tal reportagem, lê-se, a respeito de um lutador nascido na Armênia, que o Brasil "o cedeu passaporte". No caso em questão, o pronome correto seria "lhe", pois substitui o objeto indireto "ao lutador".

Mais abaixo no mesmo sítio, na matéria "Caso Filó: Ibama diz repudiar ‘intimidação’ a servidores", lê-se a construção "as ações se tratam de uma". Como ações não costumam consultar médico, trata-se de um erro, que poderia ser corrigido escrevendo "as ações são uma", ou usando "trata-se" com sujeito indeterminado, como aliás eu fiz nesta sentença.


Sunday, February 06, 2022

 

Registro de leituras (Outubro 2014 - Fevereiro 2022)


Tenho lido poucos livros recentemente. Breve comentário sobre os principais que li de outubro de 2014 em diante:

(2014) Le voyeur (1955), por Alain Robbe-Grillet. Este interessante romance pretende desmontar os pressupostos do gênero de mistério em particular, e a própria noção de narrativa de uma maneira mais geral. O ambiente e os personagens são fixados, mas os eventos sucedem-se sem obedecer necessariamente uma lógica aparente, e sem chegar a algum tipo de resolução. Li uma tradução em inglês. Parece que no Brasil a primeira edição (e aparentemente única) foi em 1966 (A Espreita).

(2016) Casino Royale (1953), por Ian Fleming. Segunda leitura (a anterior foi em 1988). Romance de espionagem bem escrito e razoavelmente divertido, mas que não emociona muito e provavelmente teria sido esquecido se outros melhores com o mesmo protagonista não se lhe tivessem seguido. No Brasil, a primeira edição foi aparentemente em 1965 (Cassino Royale).

(2017) Live and Let Die (1954), por Ian Fleming. Excelente romance de espíonagem, com enredo emocionante e muito bem escrito. Um salto de qualidade do autor em relação ao romance anterior, Casino Royale. No Brasil a primeira tradução foi lançada em 1965 e recebeu o título Os Outros que Se Danem; posteriormente uma nova tradução foi lançada com o título Viva e Deixe Morrer

(2019) The Demolished Man (versão serializada em revista, 1952; versão em livro, 1953), por Alfred Bester. O enredo deste romance é uma das coisas mais alucinadas que já li. A narrativa mescla mistério e procedimento policial com uma temática de ficção científica e uma ambientação futurista. Realmente algo fora do usual, sob qualquer aspecto, mesmo para os padrões de hoje. Dei-me o trabalho de ler as duas versões, que possuem ligeiras diferenças entre si. Uma obra notável. No Brasil, pelo que pude apurar, foi lançado em 1969 (O Homem Demolido).

(2020) Moonraker (1955), por Ian Fleming. Esplêndido romance da Guerra Fria da série 007. Tornou-se importante ler Fleming novamente, com os olhos do presente. A Guerra Fria não foi embora, ela somente despiu-se de seus elementos ideológicos originais, adquirindo novos e preservando os elementos geopolíticos de sempre. No Brasil, a primeira tradução saiu em 1965 (O Foguete da Morte).

(2020) O Meu Pé de Laranja Lima (1968), de José Mauro de Vasconcelos. Embora me parecesse em si pouco atraente, a curiosidade me levou a ler este romance de enorme sucesso popular. Realmente não há nada nele de muito notável, mas está longe de ser uma experiência excruciante. Deve-se reconhecer como méritos a empatia com o sofrimento humano e algum realismo no retrato social da parcela mais pobre da população urbana do Brasil.

(2021) The Berlin Memorandum (1965), por Adam Hall. Este é um romance com uma concepção interessante, mas com um tom algo desagradável, o que pode ter sido intencional. A narrativa tende a uma certa mitologização histórica, incluindo até o detalhe de um abajur feito de pele humana. Não é um livro fácil de ler, exigindo atenção e algum raciocínio. Edições americanas mudaram o título para The Quiller Memorandum, que é o título da adaptação cinematográfica. Não parece ter havido edição no Brasil. Em Portugal foi lançado em 1966 como Memorando de Berlim.

(2021) Alice's Adventures in Wonderland (1865) & Through the Looking Glass, and What Alice Found There (1871), por Lewis Carroll. Finalmente encarei a leitura integral dessa dupla de romances. São realmente duas obras geniais, que certamente são muito úteis na educação de crianças e também fornecem elementos para discussão adulta de temas filosóficos e mesmo políticos; são também muito divertidas. No Brasil, as primeiras traduções (se bem que talvez não tão fiéis) são as de Monteiro Lobato (Alice no País das Maravilhas, 1931; Alice no País do Espelho, 1933).

(2021) I, the Jury (1947), por Mickey Spillane. Suponho que se deva por esse romance na categoria dos livros maus mas influentes. Sua leitura não chega a ser desagradável, mas a mediocridade do enredo e a ideologia reacionária embutida na sua escrita são fatores limitantes do gozo da leitura, a não ser que esta seja investida de um olhar ao humor involuntário. No Brasil, foi lançado em 1950 sob o título Eu Sou a Lei; o título adotado no lançamento mais recente no país foi Eu, o Júri.

(2022) Heart of Darkness (1899), por Joseph Conrad. Inicialmente, tive um pouco de dificuldade na leitura desta novela; o texto não me pareceu suficientemente claro em alguns pontos. Uma certa falta de elegância estilística poderia ser atribuída ao fato de que a maior parte da novela consiste na reprodução de uma narrativa oral de um personagem. Vale a pena, no entanto, transpor esses obstáculos, pois a narrativa progride para um final altamente significativo e que ao menos em alguma medida ilumina o que veio antes. Pode-se dizer que as implicações humanas dessa obra põem-na entre as mais significativas dos últimos séculos. No Brasil ela só chegou em 1984 em três lançamentos distintos, com os respectivos títulos Coração das Trevas, O Coração da Treva, e O Coração das Trevas.

(2022) Beat the Devil (1951), por Claud Cockburn (inicialmente sob o pseudônimo James Helvick). Romance tragicômico consistindo sobretudo de diálogos. Proporciona uma leitura agradável, embora não muito memorável ou significativa. A versão fílmica suprime todos os elementos trágicos, inclusive mudando o final, e transformando a narrativa em uma comédia pura. Também suprime, tanto quanto pude notar, a etnia judaica de um dos personagens, o qual tem um papel decisivo no final do romance. Esse é um dos aspectos mais curiosos do romance. Primeiro porque não fica claro como os demais personagens conseguem discernir a etnia do personagem judeu. Segundo, porque o comportamento final desse personagem é um tanto chocante, ao colocar a vingança acima da gratidão. Não encontrei edições em língua portuguesa deste livro.

Tuesday, January 07, 2020

 

"Os Óculos de Pedro Antão", de Machado de Assis: engano ou negligência?


por Marcelo Gilli

Ontem assisti a uma dramatização para televisão do conto 'Os Óculos de Pedro Antão', de Machado de Assis. É um conto de mistério heterodoxo. Os contos de mistério tradicionais iniciam-se pela proposição de um evento misterioso e desenrolam-se até sua elucidação. No conto de Machado (que não li, exceto algumas passagens com o intuito de recordar alguns pontos da trama após ter assistido à versão televisiva) a estrutura aparente é a mesma, só que o tal mistério é produzido artificialmente pelo personagem titular, o qual explica-se numa carta lida após sua morte.

Resumindo: dois jovens visitam a casa que um deles recebeu por herança de seu tio. Lá encontram alguns objetos, entre eles os tais óculos que dão nome ao conto, e um dos jovens elabora uma narrativa que serve de explicação à presença daqueles objetos. Ao fim da narrativa, acham uma carta do morto em que este declara ter adquirido e posicionado os tais objetos com o propósito de estimular a elaboração de uma ficção sobre sua vida e sua morte, e ao final desiludi-los da mesma, incutindo-lhes assim a descrença na 'filosofia da história'.

O narrador, no início do conto, diz:
Quanto a Pedro Antão é positivo que os seus óculos deviam ter por causa o enfraquecimento da vista; mas ainda assim não lhe posso afirmar nada, porque Pedro Antão, que eu não conheci, foi o homem mais singular das tais crônicas, viveu recluso durante a vida inteira e mal consta alguma coisa dos seus primeiros anos.
O narrador é "positivo", mas "não [nos pode] afirmar nada". Curiosa contradição.

Prosseguindo, temos:
Examinamos os óculos que nada particular indicavam; tinham asas grossas e vidros azuis sem grau. Conheci que era uma quarta espécie de óculos; usava-os Pedro Antão para abrandar os raios da luz quando trabalhasse ou lesse de noite. Um dos vidros estava rachado.
É igualmente curioso que o narrador estivesse "positivo" sobre o enfraquecimento da vista como causa do uso dos óculos, e que, no entanto, estes não tivessem grau, servindo somente como proteção dos raios da luz.

O que diz o dono dos óculos? De sua carta:
uns óculos verdes, que eu nunca usei,
É estranheza sobre estranheza. Agora ficamos sabendo (ou não?) que o narrador não fazia uso dos tais óculos nem para corrigir "enfraquecimento da vista", nem para "proteção dos raios da luz". Realmente, ou Machado era um escritor muito negligente, ou muito brincalhão.

Deduz-se do conteúdo da carta que Pedro Antão suicidou-se. Mas o método de suicídio (auto-arremesso do topo de uma escada) é brutal e nem sempre eficiente. A lógica da narrativa implica que sua escolha deveu-se ao intuito de adequar a morte à aparência de um acidente, requerida pela trama sui generis do suicida. Um tanto implausível.

Esse conto tem ideias interessantes, mas possui algumas imperfeições.

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