Sunday, November 17, 2024

 

Descanse em Paz

Existe uma grande campanha mundial contra a chamada pseudociência. A pseudociênca age analogamente à hipocrisia como definida por La Rochefoucauld; isto é, ela é a estupidez que presta tributo à inteligência. Na verdade, ela só sobrevive graças a esse tributo. Ninguém compraria a estupidez nua, sem esse verniz de sabedoria. Ninguém? Pense de novo.

A religião nunca prestou nenhum tributo à razão. E sobrevive muito bem. De fato, são raras as campanhas contra a religião. O consenso é que é melhor respeitá-la.

Então, vivemos essa contradição: um enorme barulho por causa de ciência mal feita, que tenta seduzir a razão, mas silêncio completo perante noções completamente absurdas que zombam abertamente da razão. Creio que o motivo disso é o tabu da morte.

A morte é um fenômeno desagradável. Acho que ninguém discordaria disso, mas implícito está que ela o é para os outros. Para os mortos, como sabê-lo? Sim, podemos inferir algo sobre o processo que a precede, o qual é geralmente desagradável. Nesse sentido mais amplo, ela é realmente desagradável para todos.

Uma das consequências desse incômodo com a morte é que ninguém fala sobre ela. O supremo chato seria aquele que, numa sessão de pêsames, expressasse, a cada vez que alguém pronunciasse "Deus o tenha",  sua opinião: "Deus não existe".

Eu sempre respeitei os chatos, embora, para ser franco, nunca encontrei um. As pessoas são muito bem comportadas. O problema é que vão acumulando em suas mentes certas dúvidas e opiniões que com o tempo vão pesando, pesando...

Por exemplo, a maioria das pessoas religiosas, que acreditam em vida eterna, expressa sua homenagem a alguém que morreu com as palavras "Descanse em paz." Mas, qual é o sentido disso? Eles não acreditam numa renovação após a morte? Um recomeçar? Então, como assim, descansar em paz? É como se eles estivessem admitindo, de maneira disfarçada, que na realidade, não acreditam em nada daquilo. Descansar é só um eufemismo para morrer, desaparecer. E paz é outro eufemismo -- para o nada, a quietude absoluta.

Pense bem: o que significa um "repouso eterno"? Não deve ser muito eficiente, pois o cansaço aparentemente nunca termina, sempre necessitando de mais repouso. Não é minha ideia de paraíso.


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