Thursday, December 06, 2012

 

Comparação entre o sentido de 'virtù' no "Decamerão" de Boccaccio e no "Príncipe" de Maquiavel


O tema do texto abaixo foi proposto pelo prof. Carlos Eduardo O. Berriel, num curso ministrado por ele na Unicamp no 1º semestre de 2009. Baseei seu conteúdo nas aulas dele.

A palavra virtù tem o mesmo radical de 'viril', o qual está ligado à masculinidade. Tanto no Decamerão quanto no Príncipe, a virtù está ligada à faculdade de agir sobre o próprio destino. Na Idade Média, não havia muito espaço para o indivíduo mudar a situação social na qual ele estava. Na passagem para o Renascimento, essa visão de mundo gradualmente cedeu lugar a uma outra, na qual o homem tinha alguma mobilidade. Sua capacidade de mudar sua condição social ou de vida passou a ser fruto da combinação entre virtù e fortuna. Nos tempos em questão, a fortuna era encarada como possuidora de uma essência feminina; sendo a virtù o princípio masculino, a imagem da pessoa de virtù é aquela de alguém que doma sua fortuna como um homem domaria uma mulher.


As diferenças entre os sentidos de virtù nos dois livros estão ligados aos temas tratados por cada um deles. Em O Príncipe, a virtù é uma qualidade do homem político, em especial no contexto da transição entre o feudalismo e o Estado absolutista. O livro trata especificamente de técnicas de tomada do poder e de conservação do mesmo. A virtù seria o conjunto de qualidades pessoais que favorecem esses objetivos de tomada e manutenção do poder. Nesse contexto específico, poderíamos resumir a virtù em três principais atributos: ambição, coragem e habilidade; sem qualquer dos três, o sucesso torna-se pouco provável. O exemplo supremo de virtù nesse livro é César Bórgia.

Já no Decamerão, a virtù é empregada num contexto mais ligado à vida social, e está estreitamente ligada à decadência das regras e distinções sociais prevalentes na Idade Média. Aqui, o conceito de virtù está fortemente ligado ao de nobreza, o qual deixa de ser um atributo ligado ao nascimento (ou seja, fortuna) e passa a ser produto do caráter da pessoa. Entre os traços de caráter associados à virtù estão a ambição social, a disposição de fazer valer suas opiniões e desejos, a habilidade em sua profissão, enfim tudo aquilo que caracteriza alguém que toma as rédeas de sua vida em suas próprias mãos. Um exemplo de virtù nesse livro vem paradoxalmente de uma mulher: Guismunda, que busca sua felicidade amorosa com engenho e coragem, e não recua de suas convicções nem diante da morte.


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