Saturday, December 08, 2012
Análise do poema "O Chevrolet", de Ruy Proença
A seguir, o poema O Chevrolet de RUY PROENÇA:
"O poema estava lá.
A velha pasta verde na estante
no fundo da pilha.
Um único poema na pasta,
estranho detalhe.
Um velho poema
que não envelhecera.
A imagem central era clara:
um Chevrolet bege anos 50
de linhas arredondadas.
Entrei, sentei ao volante, dei a partida.
Os pneus faixa-branca rodando
as marchas passadas.
Enquanto ganhava altura
o destino entrevisto chamava-se Plutão.
No retrovisor o que ficava:
o novelo de poeira desenrolado
a velha estrada de terra."
(copiado de http://palavrarte.com/poemas_poetas/poempoe_poebrasII.php )
A análise abaixo foi feita no 1º semestre de 2009, enquanto aluno de um curso de Estudos Literários.
O texto é dividido em duas partes. Na primeira parte o Eu lírico narra como achou um poema entre seus papéis velhos; sabe-se que este foi escrito há muito tempo ("um velho poema"); o Eu lírico refere-se na primeira pessoa ao personagem do poema achado, de onde se deduz que o poema achado foi escrito pela mesma pessoa que o achou. A segunda parte consiste na exposição da "imagem central" do poema achado: resumidamente, o Eu lírico entra num carro que em seguida levanta voo com destino ao distante planeta Plutão.
É um texto com uma certa carga sentimental; nosso encontro com algo que escrevemos há muito tempo é sempre o encontro com um eu mais jovem, ocasionando um despertar de lembranças e sentimentos adormecidos. O frescor da juventude expresso pelo "velho poema" fica evidente no entusiasmo que empresta ao carro, possivelmente recém-adquirido, poderes fantásticos. A época evocada é provavelmente os anos 50 ou 60 ("um Chevrolet bege anos 50"), naturalmente fervilhantes e animados. O contraste com o presente doméstico, remexendo em papéis velhos numa estante, acentua a melancolia nostálgica.
O texto tem também aspectos metaliterários interessantes. Segundo o Eu lírico, o velho poema "não envelhecera"; o sentido dessa afirmação parece estar relacionado ao forte impacto emocional sofrido pelo Eu lírico ao lê-lo após tanto anos; a conexão mental com o passado foi feita; aquele Eu jovem ainda vive de alguma maneira no Eu maduro. Podemos conjeturar que ninguém exceto o próprio autor do "velho poema" o leu; portanto temos aqui a literatura como fenômeno privado: o autor é seu próprio leitor, e o tempo decorrido condiciona fortemente a leitura. O texto também nos impele indiretamente a uma pergunta: será que, se achássemos um texto desconhecido em versos numa pasta em uma estante, seria ele lido por nós como um poema?
Todas essas reverberações emocionais e metaliterárias são atingidas de maneira sutil e engenhosa; por trás da aparente simplicidade do estilo esconde-se uma precisão que necessariamente é fruto de trabalho formal. O desligamento experimentado pelo Eu lírico – primeiro do tempo presente, depois, em seu poema, das leis físicas – é espelhado por uma forma poética desligada de qualquer métrica.