Tuesday, October 07, 2025

 

Quem tem muito amor é amoral?

 Vou contar aqui uma história que espero edifique e inspire, emocione e enterneça -- e, sobretudo, ensine!

É a história do seu Dirso, cujo avô veio lá da Itália e sempre foi muito trabalhador, como aliás seus descendentes até agora. Seu grande sonho era que seus filhos não tivessem que dar tão duro na vida quanto ele, e se possível que fossem muito ricos. A família dele, os Nario, era de gente muito humilde, mas dizia-se que eles não eram estúpidos e um dia escapariam de sua condição inferior.

Quando nasceu o primeiro filho do seu Dirso, este, achando que devia começar por dar-lhe um nome propiciador de boa fortuna, chamou-lhe Emílio. Após alguns anos, o menino ainda não havia demonstrado nenhuma habilidade especial, muito pelo contrário. Seu Dirso achou que era hora de ter um segundo filho. Quando este nasceu, recebeu o nome de Abílio. Seu Dirso pôs todas suas esperanças nele, já que o anterior revelava-se uma criança medíocre, na melhor das hipóteses.

Infelizmente para o seu Dirso, seu segundo filho mostrou-se ainda pior que o primeiro.

Um dia, seu Dirso teve que ir ao consulado italiano por causa de uns documentos, e lá teve uma grande surpresa. Quando as autoridades brasileiras fizeram a documentação do avô do seu Dirso, eles cometeram um erro: seu sobrenome não era Nario, mas Tario.

No caminho de casa, seu Dirso ia matutando, até que descobriu a causa de todo o seu infortúnio.

Moral da primeira parte de nossa história: é difícil tornar-se milionário (e bilionário muito mais), principalmente quando se nasce otário.

Mas a história não para aí. Seu Dirso, agora de posse de informações corretas, resolveu ter mais um filho. Estava já meio velhinho, assim como sua moglia, mas resolveu tentar assim mesmo. E conseguiu. Só que desta vez veio uma menina.

Cansado de fazer escolhas erradas, desta vez seu Dirso deixou para sua esposa a escolha do nome. Ademais, sendo a filha mulher, era natural que a mãe tivesse a última palavra.

A esposa do seu Dirso não era descendente de italianos. Seu nome era Sofia de Oliveira. Depois de casada, ela geralmente abreviava o sobrenome de solteira com a inicial.

Dona Sofia gostava muito de cinema e de novelas de televisão. Conhecia muitos nomes de atrizes. Alguns deles ela achava muito chiques. Escolheu para sua filha dois nomes que sempre a fascinaram: Estelle Yoná.

E não é que a escolha da dona Sofia deu sorte? A filha, ao contrário dos irmãos, demonstrava ao crescer uma inteligência acima do normal. Começou a ganhar dinheiro precocemente, e assim a família deixou sua condição humilde, podendo desfrutar de confortos nunca antes sonhados.

Ninguém sabia muito bem como a filhinha ganhava todo esse dinheiro, mas quem se importava? Tudo ia bem, e todos estavam felizes.

Infelizmente, a felicidade durou pouco, pois um dia a polícia bateu na porta do seu Dirso, e levou a família inteira para a cadeia.

Moral da segunda (e última) parte da história: para algumas pessoas, o único jeito de ficar rico depressa é... vamos ver se o leitor adivinha.


Thursday, December 05, 2024

 

Portinglês

 Agora há pouco uma emissora de notícias informou que a crise política na França "escalou". Isso obviamente não é português, pois "escalar" não possui o sentido da palavra inglesa "escalate". Como pouca gente assiste a essas emissoras de notícias, tomei a iniciativa de divulgar esse uso, com a intenção de apressar a transformação do português em algo irreconhecível por brasileiros, mas facilmente compreensível por nossos amigos americanos.


Wednesday, November 20, 2024

 

Rest in Peace

 There is a big worldwide campaign against so-called pseudoscience. Pseudoscience acts in an analogous manner to hypocrisy as defined by La Rochefoucauld; that is, it is stupidity which pays tribute to intelligence. In fact, it only survives due to that tribute payment. Nobody would buy naked stupidity -- one without that veneer of wisdom. Nobody? Think again.

Religion has never paid any tribute to reason. And it survives quite well. In fact, we seldom see campaigns against religion. The consensus is that it's better to respect it.

Thus, we live this contradiction: enormous noise because of badly done science which attempts to seduce reason, but complete silence before utterly absurd notions which openly mock reason. I think the reason behind this is the death taboo.

Death is an unpleasant phenomenon. I think no one would disagree about it, but the tacit assumption is that it is unpleasant for others. For the dead, how to know it? Sure, we can infer something about the process preceding it, which is usually unpleasant. In that broader sense, it is indeed unpleasant to all.

One of the consequences of this unease with death is that no one talks about it. The ultimate pest would be someone who, during a session of condolences, interjected, each time someone said "May God keep his soul", his opinion that "God does not exist."

I've always held pests in high account, though, to be honest, I've never met one. People are very well behaved. The problem is that they accumulate certain doubts and opinions in their minds which, with time, weigh more and more...

For example, most religious people, ones who believe in eternal life, express their homage to someone who has died with the words "Rest in peace". But what's the meaning of that? Don't they believe in a renewal after death? A starting over? Then, why "rest in peace"? It's as if they were admitting, in a disguised manner, that they don't really believe any of that. Resting is just an euphemism for dying, disappearing. And peace is another euphemism -- for nothingness, absolute quiet.

Think about it: what does an "eternal rest" mean? It mustn't be very efficient, because tiredness apparently never ends, always needing further repose. It's not my idea of paradise.


Sunday, November 17, 2024

 

Descanse em Paz

Existe uma grande campanha mundial contra a chamada pseudociência. A pseudociênca age analogamente à hipocrisia como definida por La Rochefoucauld; isto é, ela é a estupidez que presta tributo à inteligência. Na verdade, ela só sobrevive graças a esse tributo. Ninguém compraria a estupidez nua, sem esse verniz de sabedoria. Ninguém? Pense de novo.

A religião nunca prestou nenhum tributo à razão. E sobrevive muito bem. De fato, são raras as campanhas contra a religião. O consenso é que é melhor respeitá-la.

Então, vivemos essa contradição: um enorme barulho por causa de ciência mal feita, que tenta seduzir a razão, mas silêncio completo perante noções completamente absurdas que zombam abertamente da razão. Creio que o motivo disso é o tabu da morte.

A morte é um fenômeno desagradável. Acho que ninguém discordaria disso, mas implícito está que ela o é para os outros. Para os mortos, como sabê-lo? Sim, podemos inferir algo sobre o processo que a precede, o qual é geralmente desagradável. Nesse sentido mais amplo, ela é realmente desagradável para todos.

Uma das consequências desse incômodo com a morte é que ninguém fala sobre ela. O supremo chato seria aquele que, numa sessão de pêsames, expressasse, a cada vez que alguém pronunciasse "Deus o tenha",  sua opinião: "Deus não existe".

Eu sempre respeitei os chatos, embora, para ser franco, nunca encontrei um. As pessoas são muito bem comportadas. O problema é que vão acumulando em suas mentes certas dúvidas e opiniões que com o tempo vão pesando, pesando...

Por exemplo, a maioria das pessoas religiosas, que acreditam em vida eterna, expressa sua homenagem a alguém que morreu com as palavras "Descanse em paz." Mas, qual é o sentido disso? Eles não acreditam numa renovação após a morte? Um recomeçar? Então, como assim, descansar em paz? É como se eles estivessem admitindo, de maneira disfarçada, que na realidade, não acreditam em nada daquilo. Descansar é só um eufemismo para morrer, desaparecer. E paz é outro eufemismo -- para o nada, a quietude absoluta.

Pense bem: o que significa um "repouso eterno"? Não deve ser muito eficiente, pois o cansaço aparentemente nunca termina, sempre necessitando de mais repouso. Não é minha ideia de paraíso.


Saturday, July 06, 2024

 

Some considerations about immigration

Brazilian TV is showing a news story about 'coyotes', i.e., people who smuggle immigrants across the U.S. border. They are vilified because they exploit people. On the other hand, immigration is always shown in a good light on TV. So, there is a paradox there. Immigrants themselves are good, but the people who make it possible for them to immigrate are bad. If people who immigrate are good, then immigration itself is good, because good people do good things (otherwise they would be bad). But the people who make that good thing possible are bad. How come?

I suppose this has some parallels with drug consumption. Drug addicts are not bad people, but drug trafficking is bad. The parallel ends there, however, because drug addicts are supposed to be suffering from a disease, whereas immigrants are healthy people. In a way, their poverty is somewhat analogous to the drug users' disease. That's not a perfect analogy, however, because the hegemonic narrative is that countries benefit from immigration, and no one is supposed to benefit from drugs (except for the traffickers, who -- remember that? -- are bad).

So, back to the immigration problem, how do we solve that paradox? One has to be honest about it. If on the one hand coyotes are bad and exploit the immigrants, and on the other hand immigration (and immigrants) are good, the only solution would be the State filling the role of the coyotes, by sponsoring immigration. Of course, both ends of the immigration flux must reach an agreement about that. The U.S. must be OK with it, and, say, Guatemala, also must be OK with it.

I think that is the main practical difficulty. I just don't know why it is so. It is universally settled that immigration is good, and attempts to curb it are racist (just look at what is happening in France right now). If the State will not curb it, coyotes will take over, unless the State will sponsor it. Ergo, the State should be sponsoring it.


Saturday, October 21, 2023

 

'Wave' (Jobim) vs. 'Pat and Mike' (Raksin)

When I hear the musical score which plays over the opening credits of the film Pat and Mike (1952), composed by David Raksin, I'm immediately reminded of the song Wave, by Antõnio Carlos Jobim.

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Quando ouço a trilha musical que toca na abertura do filme Mulher Absoluta (título original: Pat and Mike), de 1952, composta por David Raksin, imediatamente me vem à mente a canção Wave, de Antônio Carlos Jobim.

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Pat and Mike (1952) -- Opening

https://www.facebook.com/warnerarchive/videos/596488351068721/?ref=embed_video&t=8

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Wave (Antônio Carlos Jobim)

https://youtu.be/JGqzKmp_5Bg


Monday, May 01, 2023

 

Erros de gramática em "O Antagonista" e "Crusoé"

No sítio O Antagonista, anuncia-se uma reportagem da revista Crusoé intitulada "Um armênio e um cazaque no Bolsa Pódio". Na tal reportagem, lê-se, a respeito de um lutador nascido na Armênia, que o Brasil "o cedeu passaporte". No caso em questão, o pronome correto seria "lhe", pois substitui o objeto indireto "ao lutador".

Mais abaixo no mesmo sítio, na matéria "Caso Filó: Ibama diz repudiar ‘intimidação’ a servidores", lê-se a construção "as ações se tratam de uma". Como ações não costumam consultar médico, trata-se de um erro, que poderia ser corrigido escrevendo "as ações são uma", ou usando "trata-se" com sujeito indeterminado, como aliás eu fiz nesta sentença.


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